domingo, 22 de março de 2009

Deveriam

Hoje pintei o céu. Não me preocupou nem a falta de emprego, nem outras tantas coisas cotidianas que me preocupam. Apenas peguei o pincel e pintei o céu. Poucos são capazes de vê-lo assim, como um quadro branco, virgem. Sei que posso ser condenado pelo que fiz, várias são as leis que punem quem transgride a hipocrisia da legislação. Não sei, mas aposto que existe uma lei, e se não tiver um deputado fará uma emenda à constituição, enjaulando aqueles animais que borram o céu. As igrejas tanto cristãs como anti-cristãs também desaprovarão, uma vez que pintar o céu é o mesmo que pixar o muro da casa de nosso senhor. Não quis fazer o mau, muito menos acabar com o patrimônio privado de nenhum senhor: só quis dar significado àquele azul. Infelizmente não ensinam na escola como pintar o céu. Deveriam.

terça-feira, 3 de março de 2009

A dor que já não me pertence


Quando eu cheguei, uma fila havia. Serpenteava o corredor até a cabeça do ser, um vidro, que separava os desvalidos ou os adoentados dos validos ou médicos. Resignei-me e fiz o sinal da cruz, uma fila havia. Meu pai me dizia, naqueles campos mineiros de longe, onde o sol fazia questão de oprimir, que não gostava muito de ir em lugares sem fila, não era para dar valia pois coisa boa não era. Meu pai... onde será que está? Gostava tanto de ouvi-lo tocar violão... agora, vendo de mais de perto, parecíamos, comigo já agregada, uma centopéia com seu corpo a revirar. Acordei com uma dor que já não sei onde está, ela faz questão de se mudar. O calor enxugava o ar da janela aberta. Como o ser humano se animaliza com a dor, uns rugem outros se encolhem, finalmente voltamos ao nosso estado normal, ao de animal, ao de caça, o que se fala doutor vira mendigo, mas pede é por outra natureza de ajuda. Estes mesmos, os que jazem sentados a me olhar, não duvido, se soubessem ou me reconhecessem enojariam a minha presença. Sou só. Sozinha, pelo menos, não dôo fome a ninguém.
Passaram-se não sei quanto tempo, minha dor se move, faz-me ofegar, faz-se e desfaz-se, lisa desliza sobre meu corpo, falta-me paciência. Mamãe já me dizia que esta vida não presta mesmo. Onde estaria mamãe? Gostaria de vê-la, posso até comprar-lhe um celular, hoje em dia todo mundo tem um, mesmo que seja de brinquedo. Já não suporto mais a dor, eles querem me comer por dentro, arrancar minhas tripas. Parece mamãe que todos eles agora debocham de mim, a minha dor já não mais me pertence, é deles o câncer, eles é que controlam-no. Vou-me embora, talvez seja mais seguro não ter quem me acuda. Foi aqui que mamãe e papai morreram, não conseguiram pegar a senha do hospital. Que iremos fazer né? Se eu soubesse que um número tinha tanto valor, eu tinha estudado um pouco mais para saber lê-lo.
Oh! Que cabeça a minha, tinha que trabalhar para não passar fome.