sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Somos vento

A porta, como eu, é transpassada pelo tempo. Somos vento, e não voltamos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Presa quantas vezes?

Foi nesse solar que Célia colocou fogo em seu senhor. Fogoso senhor, queria ter Célia como escrava, já a tinha de papel lavrado e passado, assinatura de compra e venda e aos Mil e Oitocentos e tantos anos do nascimento de Nosso Jesus Christo. Mas em papel escreve-se tudo, até mesmo desenha-se sangue, chicote, pelourinho para turista ver. O senhor queria mesmo é ter Célia de cama, mesa e banho, serva, criada. Despir-se para Célia não era de corpo, era despir-se de alma, e esta senhor não compra, porque é como mato de estrada, mesmo que corte, não deixará de existir. Serviu-se, criou-se, embebedou-se, sem um gemido. Este só lhe saiu, ao coito e ao coitado que dormiu em sepulcro em chamas. Justiça seja feita, e foi feita para condenar os condenáveis: Célia presa. Desde então, aprendemos a apresar, nessa terra destinada a ser Célia, presa quantas vezes?

Afasia

Foi o fim da poesia. O frio café no copo jazia. Foi quando ninguém mais ouvia. Qualquer rima, como essa, simples afasia.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Alongando ponto final

Dos amores que vivi, não recordo feição, lembro-me do gosto, fome que não passava, lombriga de barriga. Olhos que vi passar, dos nomes se perderam, lembro-me da gravidade, do arrepio derrepentino. Lábios que não beijei, mas desejei, lembro-me feito poeta de primeiras letras, descobridor de silêncios, carpinteiro do tempo. Apaixonei como contador de história, alongando ponto final, pelo prazer apenas de reinventar caminhos, carinhos, talvez. Me perdoe a memória, ela não se deixa descrever, só reviver, janela empenada que não fechará.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Que me entorne em flores

Desculpe chorar, prometi voltar para deixar-lhe flores. Pode ser que elas se tornem mais felizes por lhe ter como raiz, seu alimento. Quem sabe, elas sintam o amor que senti. Hoje, esse é meu único desejo, que me entorne em flores. Não se preocupe, não trago regador, minhas lágrimas são suficientes para hidratá-las dessa sede que me jaz.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Que língua falam os doutores federais?

Hoje vive só, aos cantos e barrancos. Porque decidiu ser melhor, desistiu ser igual. Só, sem um só riso. Ninguém; quis ser águia, terminou comendo migalhas. Virou estátua das mais onipotentes, quis a onipresença, acabou oniausente. Mas quem vestiu a roupa do rei, mesmo que invisível, nunca perde a majestade, nem no carnaval. Não deixa por menos, pensa, ninguém vai escutar das suas sabedorias que aprendeu com doutores federais, registradas nas suas faculdades, mentais e federais. Eu cá desconfio: talvez se dissesse tantos e tantos prefácios ninguém entenderia a língua que se fala doutores federais.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Espero

Espero, ferida, que saia e conheça a primavera. Que volte Frida e reconheça o inverno com suas mãos, ensanguentadas do toque das flores, para cicatrizar-se, refazer-se grave, grafite. A casa é sua, quando precisar. De um café ou uma pessoa para amar.