segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Vip

Por todo tempo ela me olhou. Por todo tempo em que permaneci na sala vip, ela me trespassava os olhos, como se fôssemos velhos amigos que não querem se encontrar. Seus olhos sentiam vergonha de estar ela em uma sala very importante people, convencida por si e pelos outros que não fazia parte nenhuma na cadeia evolutiva do homem, essa também vip. Mas me concentrei para não deixá-la discriminar e ela se esforçava para isso também. Como ela não pode também se sentir importante? Quem disse a ela que ela não é importante? Quem teria essa autoridade? Afinal, passamos a vida inteira tentando ser importante para alguém, mesmo que seja só para nós mesmos. Ela não permaneceu por muito tempo very importante people, mas seus segundos aqui foram muito importantes para ela mesma, se não a outras de sua espécie. A mim mesmo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Parei de contar na décima

Saí do tribunal direto para a carceragem. Fui condenado a duzentas chibatadas, mas parei de contar na décima, quando o sangue me fazia falta. Assim dizia meu sumário crime: Ano do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta, aos vinte e dois de Abril, nesta Cidade de Vassouras, o promotor público vem denunciar o escravo Máximo por ter entrado na casa de negócios de Manoel José Gonçalves e subtraído objetos. Uma lata de goiabada, capilé (refresco) e ovos de galinha, eram os objetos furtados. Quando os guardas me algemaram, ouvi uma voz lá no fundo, talvez do dono da venda: vai ser preciso construir mais cadeias. Resignei-me, afinal, como escravo, já haviam me roubado a liberdade no ventre cativo de minha mãe. Quantos mais negros precisarão enjaular para se satisfazerem?

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A quem prometi ser terra de ninguém?

Sou eu quem invento e escolho meus inimigos. Construo e eletrifico meus muros. Se Muros de Berlim, da Cisjordânia, de Tijuana ou das Lamentações são, depende de momentos. A quem prometi ser terra de ninguém?