Condenação

Queimei palavras, fui condenado a viver sempre a não ter o que dizer diante da miséria humana.

Que digam os senhores feudais

Fiquei pensando naquele homem que não me deixara passar. De cara magra, bigode já marcado em preto e branco, gravata a pendular com idas e voltas do coletivo. Ele dissera, a passagem aumentou para 4 e 10. A passagem, a passagem. Como deixei essa palavra passar... a passagem é cobrada. A passagem é cobrada no coletivo... no coletivo? alguns diriam transporte público... público? Não conheço nada de lei, mas deveriam fazer uma dizendo: "todos temos o direito de ir e vir". Devo gostar de mentiras: por que não dizem então quem são os senhores feudais a cobrarem passagem?

Os africanos

- Quem descobriu o Brasil?
- Os africanos
- Os africanos?
- Sim. Apesar de manilha. Apesar de enxada. A pesar o chicote, desencobriram o Brasil.

Sinto pena de mim

Quando criança sonhava com garrafas que chegariam de alguma ilha com dizeres enigmáticos. Mas ultimamente, acorda-me um sonho em que garrafas multicoloridas me chegam aos pés da onda: abro. Vazio. Sinto pena de mim. 

Pagãos

Começaram a queimar pombos em praça pública: estão cagando e voando para Deus. Só pensam em ser livres, e pagãos. Acreditam que é o Sol seu Deus e o milagre é ele ter criado uma criatura que sem asas busque tanto o céu.

Sobrevivência

Eu sei, o que eu escrevo não tem nenhum valor: por isso mesmo é disso que sobrevivo.

Chuvas de anos novos

Nas chuvas de anos novos é que o som da sua voz e meu violão faziam dançar os pingos, as pingas também ajudavam. Lembrei do natal que cantamos a tarde inteira. Pode deixar, gravei. Nunca tinha perdido uma amiga, não sabia que machucava. Ainda mais nas chuvas de anos novos.