sábado, 28 de junho de 2014

Jardineiro do mar

Hoje me permito escrever-me, inscrever-me assim por dentro, feito choro que se inicia tempestade no peito para chover nos olhos. Assento-me e acentuou-me, sinto que nasci do mar e meu cordão umbilical não foi cortado. É nesse verdejar de mar que despejo os dejetos que me forçam a carregar, já nem sei quem é mais desprevisível, eu ou o que trago. Costumo comentar aos outros, o mar não se ressente de ser descarga, na verdade, ele se diverte, faz-se verde para fingir-se terra adubada. Hoje me permito fingir que sou eu o seu jardineiro.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Derrepentista

Eu escutei por ouvir dizer
Militante pedindo Marx interceder
Mas só para esclarecer:
Luta de classes não é UFC.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Civilizadamente

"E pensar que o cimento necessita de terra e água: aqui começa o que chamamos civilização". Disse, e retirou-se, civilizadamente.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Zinho

Sinto o muito. Já não peço permissão de dizer, senão dia qualquer confundem adágio com pedágio. Conto o que me foi contado, aumento as retiessências que de ponto não basta o momento. Neste agora, a realidade já se travestiu de travessura, e pode o rio atravessar-me duas vezes para que seja apenas um só, um só Zinho.
Zinho foi de nome próprio,  mais apropriado que meus pais me deram. De tanta pobreza que fiquei diminutivo, com o pedaço menos pequeno, de tão menor, do pobrezinho que tanto minha mãe escutou quando me anunciava em sua barriga. Barrigrávida, era o único bolsa família que tínhamos. Coisa de assustar mateimaitacos, pai dizia que só multiplicando pobrezinhos é que aumentaríamos algunzinhos.
Termino este conto sem contar o que tinha, nesse caso o que contei mais foi um desconto. Não me perdoem pelo erro, já acostumei como se anticorpos tivesse adquirido também nas terras por onde engatinhei. É do meu feitio, típico dos meus tipos, confundir introdução e conclusão: muitos de mim terminam sem começar, dormem sem acordar, morrem no nascer.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

O vazio por dentro


Situação que vem a encalhar, nesse descompasso de copa. Acontecido de Jesus era na infância menino arisco de bola, o anjo dos pescoços tortos, assim o chamavam, já que ninguém seguia, com ou sem a guia, os passos que dançava com o adversário. Muito prometido, das velhas de vidraças quebradas, das meninas de saias rodadas, essas já imaginando-se Xuxas de um Pelé. Mas a maior barreira que encontrava eram seus pais: naquela pobreza a única saída era o estudo. Toda bola é feita de ar, grávida psicológica, enfeiticeira de crianças, amedrontavam Acontecido. No entretanto, deixou-se levar pelos cruzamentos. Fugiu de casa como futeboleiro de campo de concentração: viciou-se deliberadamente jogador. Hoje no atualmente, Acontecido de Jesus é um dos melhores jogadores, mais ricos do planeta, poses e posses. Seus pais ainda choram ao relembrar o acontecido. Quantas bolas não furaram para demonstrar o vazio por dentro?

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Jão, o kami-quase

Em atitude verbal mais-que-versiva, talvez subversiva, Jão Modesto desovou a pelota de capota, em gomos, quase engomada, que se fazia lado-escuro da lua em um porão empoeirado de sua casa. Saiu feito capitão, mais militar do que militante, na rua convocando seleções. Nesse tempo, não se podia falar de pelada, a não ser de mulher-pelada, essa sim, assovio de bocas-pequenas quando Laurinda Então se foi buscar na sorte amores vívidos. Mas trivela, caneta, lambreta, foram metáforas proibidas, e Lêonidas da Silva, padeiro de bicicleta, tivera que se refugiar em Quem Sabe Onde, cidade que todos ouviram falar mas nunca carta chegara. Jão, tão somente, decidira que era preciso acabar com aquela paz celestial: a bola colocara no capim, mas seu efeito transformava-o, transtornado, em um kami-quase diante do tanque. Mesmo assim correu, correu ao encontro da bola gravidíssima, com a força mítica dos canários: viu voar a bola travessa por cima do travessão. Indesistido, foi buscá-la na bananeira, de onde dizem as más linguagens, macacos acéfalos jogavam bananas aos inimigos da pátria em pretéritos de outrora. Conta-se, em documentos orais secretos, que o costume em derrota do time da casa, contradizer: aos vencedores as bananas. Nem tempo teve Jão Modesto de conferir se quem come banana podre morre de caganeira, apontado foi por todos aos militantos. No entanto, nenhuns ficaram sabendo o fim ou que fins deram a Jão, pois finados dois meses de sugestiva censura, a bola voltou a ser o fim de si mesma, a alegria do povo e a felicidade geral da nação.