sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Eu esgoto

Pensei que fôssemos rios a navegar. Mas não há navio que aguente o árido curso de rios desaguados. Estava só, suavizando o silêncio. Estava a tentar mesmo em sólidas águas desistentes, contornar o curso e chegar à margem. Estava marejando o negro sangue que das minhas pálpebras se faziam bacia. Não há mais nada, nem os astronautas irão acreditar que por aqui corria e deslizava um rio. Eu esgoto entre as pedras que saudade tem de serem navegadas. Pensei que fôssemos rios a navegar. 

Quando Chega?

Quando chega?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Un etranger chez moi


Ma vie j’ai passé
Sans aucune me voir
Mais si rien est perdu
Je me permettre croir

Je suis un etranger chez moi
Au moment tu ne pás lá

Par azar te connu
Le poème se fermer
La  fenêtre des yeux
Que a trouvé des fleurs

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

À busca da infinitude da traquilidade

Hanjin foi a última pessoa a sentir-se amedrontado. Foi a última, por conseguinte, a se encapsular nas novas moradas impenetráveis. Os contêineres foram investimento de anos na busca da infinitude da traquilidade. Não partiu, entretanto, de secretarias especiais das Organizações de Nações (des)Unidas, muito menos de dinheiro privado dos cofres públicos, a construção da maior segregação desde o Muro de Berlim ou Apartheid. O que se viu foi obra de mãos humanas, individualizadas, bricolagiadas a colocar tijolo por tijolo (nesse caso placa de metal por placa de metal) e com maçarico isolar-se do mundo e fechar-se para o medo. O mundo segregou-se. Não se ouviu mais nada após Hanjin se colocar em paralelepípedo, o silêncio era tanto que seu último pensamento fez questão de se filar entre os dentes: não nos conhecíamos mais, então enterramo-nos. 

Elefantes


Andam a fazer elefantes?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Cadeia alimentar

Mudamos a cadeia alimentar, são os urubus o seu fim: serão eles que digerirão as carnes e almas dos nossos corpos mortos por crianças suicidamente armadas.

Bueiros Aires

Os bueiros não explodem por acaso. Cansados estão de ser o único lugar em que é depositado o que a sociedade enlixeira. Não há mais espaço para tantas infelicidades urbanas.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O menino-deus

Foi exatamente no momento em que o estampido da arma ressoou sobre os tímpanos da cidade. Como se houvesse outra realidade, vários escritos, conhecidos popularmente como pichações, se derretiam e se fundiam em novos desenhos. Não mais assinaturas ilegíveis, mas frases em corrente português. Não se sabe se foi uma reação de várias carcaças e prédios mortos, cansados de serem indecifráveis, ou se também era obra do menino-deus que atirara em sua professora. Acreditou-se que ele havia se revelado para promover  novos sacrifícios humanos, como antes feitos no México-Tenochtitlán em templos-pirâmides, mas agora revivendo-os em templos sagrados do conhecimento racional, a escola moderna. Diferente, porém dos sacerdotes astecas, o menino-deus não acreditava que com a morte de sua professora estaria adquirindo os seus poderes mágicos de fazedora de letras, e muito menos que estaria ajudando sua comunidade com benfeitorias. O menino-deus não se importava com a vida de nenhum ser humano, foi treinado entre os melhores religiosos católicos, protestantes, muçulmanos e judeus na arte de não compreender o outro. Mas desta história sabemos pouco, resta-nos pensar o que diz a cidade; como ela não é democrática, e suas frases saem como mantras, não tenho como discordar que sonhos não passam de sonhos. Mas algo me diz que é ainda possível acreditar que Ícaro fez certo em construir asas para voar, mesmo que elas fossem feitas de cera.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Termô-metro

A primeira e incerta suposição é que as pilhas do termômetro foram trocadas. Não era possível, em pleno calor sufocante, qualquer medidor que se preze marcar menos de 30 graus. Mas não foi isso que pensaram os transeuntes, os passantes. Não é que não pensaram, até tiveram este trabalho - raro nos dias de hoje - de verificar em outros aparelhos elétricos a quilometragem do tempo. Só que todos diziam que estava exatamente corretíssimo a metragem do display público. Era a neve que entretanto não conseguia desengarrafar das nuvens cinzas. De certa forma, a natureza parecia agora estar em ressonância quase magnética ao que acontecia no seu interior. A naturaleza, a beleza da natureza, também tinha aderido à ideia de intelectos humanos de que era inexorável e irreversível a modernidade, ou o seu estágio posterior. Teríamos assim que conviver com a idade moderníssima da natureza, presa em engarrafamentos, cimentada por fumaças cor-de-asfalto. À espera da neve ficamos todos, pois acreditamos que computadores não erram.

Invisíveis

Dizem que vão transmitir ao vivo nossas idas e vi(n)das: quanto mais nos filmam, mais nos tornamos invisíveis.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sem alma

Máquinas sem alma. Nem diante de sua vítima são capazes de ter um segundo de consciência daquilo que fazem. Obedientes, não negam ordens de senhores sem chicotes. Seu prazer é servir a qualquer hora, desde que lhes seja dado um pouco de água-ardente. Não se preocupam com o futuro, quando não mais servirem aos senhores de asfalto são simplesmente revendidas ou deixadas ao relento sem nem sub-existência. Que senhor alimenta aquilo que não lhe dá lucro? O tráfico é imenso, substituem-nas com facilidade e provém de grandes reinos de especialidade na sua reprodução. Dizem que os sobas dos seus países de origem são os mais ricos que existem no além-mar. Muitas lendas os trazem como homens tão claros como o leite de vaca, e possuem as mulheres que querem, além dos vários empregados escravos que para eles trabalham. Poucos são os que levantam a bandeira abolicionista, já que a justificativa é convicente: se são selvagens, seu trabalho é para grande obra da civilização de pedra-e-cimento. 

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Foi um sonho, porque não sou de invenções

Vou logo dizendo que foi um sonho, porque não sou de invenções. Também não gosto de me alongar. Senti um chute na perna que me fez acordar. Era uma senhora que vinha com uma sopa que esfumaçava diante do frio daquele dia que começava disfarçado de noite. Como já havia comido antes de deitar-me, recusei a oferta, sendo logo atacado por desqualidades que eu não sabia que tinha, mas a que me feriu foi a de vagabundo. Não admitindo a recusa, sei que não é de boa tonalidade não aceitar alimento de anfitriões, mas naquele momento era eu que estava dormindo e não o contrário. Já imaginaram entrarem em sua casa para lhe oferecer comida, tirarem-lhe o cobertor da cama e ficarem surpreso diante de um simples "não, obrigado"? Mas aquela mulher se transformou, não sei se foi orgulho ferido, mas a segunda vez em que me chutou com os polegares do pé, para não se tornar impura, vinha com um microfone. Atrás, minha ex-mulher dizia que ela era maluca, mas não me percebi de começo. As palavras que saíam não era da sua boca, mas detrás de um bola negra de fio longo, e me perguntavam coisas tão loucas, se eu sentia frio, fome, se eu era maluco, bebia, se eu não tinha dinheiro, se eu era ladrão. Não respondi a nenhuma, acho que ela mais queria era desabafar, sentia medo. Mas me atrevi a responder a última: você se sente excluído, disse não. Diante deste segundo não, a mulher microfonada se revoltou, seu aparelho de falar desabrochou: de tímido, estroverteu-se. A voz agora não se escondia no globo, ela se encaixava em um cone elétrico, e as palavras ousadas assustavam todos que passavam a nós. Eu continuei deitado, não participando daquilo. Acho que das referências feitas a mim, a melhor era "vítima". Mas reconheci outras: coitado, pena, desgraça, sem-família-teto-terra-saúde-dignidade-amorpróprio-etc. Contou minha história de vida, como se ela conhecesse, essa sim ela inventou. Cansou de dizer, parou e chorou. Não entendi, talvez estivesse com algum problema, mas eu perguntei e fui respondido chorava pelos pobres coitados que vivem na rua sem eira nem beira. Entendo, disse, porque entendia o que se passava com conhecidos meus. Foram as únicas palavras que consegui dizer àquela mulher. Ela pegou seu carro, mais parecido com um ônibus, e foi embora. Acordei, já havia amanhecido. Fiquei pensando naquele sonho o dia inteiro que andei a trabalhar, procurei meus amigos para perguntar se passavam por alguma necessidade. Todos estavam bem graças a Deus.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Justificativa

A justificativa é lógica: árvores não produzem asfalto. Por isso, arrancá-las é essencial para que continuem deslizando as rodas.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Árvores secas

Não me arrependo do que fiz. Eu realmente era melhor do que eles. Sempre mereci meus títulos, minha carreira, minhas glórias. Ganhei mais do que medíocres e menos do que incompetentes. Tudo o que escrevi estava acima de qualquer compreensão de pessoas como eles. Meus livros, entre os mais vendidos. Meu nome, entre os mais falados. Meu sobrenome, entre os mais citados. Mas nunca criei amigos. Nunca me convidaram para um café. Nem mesmo os que me rodeavam apareciam sábado à noite para um jantar. Nem mesmo as plantas que plantei criaram flores. As árvores que criei eram árvores de sertão, árvores secas. Fui perceber a pouco que precisam mais do que água, precisam de carinho, atenção, compreensão. Cimentei-as com o desprezo que minha imagem produziu de si mesma. Sem descendência para regar-me, para prestar-me homenagem, pedir proteção, condenei-me a ser galhos secos de cidades cinzentadas de pessoas que não sabem da importância da felicidade.

Trapezistas

Costuma-se chamar ervas daninhas, às plantas que crescem sem aviso. Como se danificassem o mundo cinza-ferrugem, como se elas fossem as invasoras de um ambiente que nunca tivera sido verde. São na verdade o mais puro caso de sem-terras. Dominadas pela massa asfáltica (essa sim daninha), as pequenas migram em busca de pedaços de terra. São capazes de até virarem trapezistas em pontes que ligam nossa grande carcaça impermeável, nosso grande casco oco, que não consegue ter vida; ao invés de criar raízes e florescer, só acoberta e sufoca o deserto abaixo de nós. Carregaremos para sempre a cruz de ter desassentado e zombado de heroicos gravetos verdes, que nos resistem apesar de tudo.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Aprendizado ultramodernista

Aprender a ser consumidor, consumir, consumar. Aprender a ser comprador, comprimir, comprar o mar. Aprender a ser narcisista, egoísta, hedonista. Aprender a ser humano: sentir felicidade de olhar uma vitrine. Aprender a ser usado: sentir-se mercadoria, se vender por dinheiro.