quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Soumente eu

Tantos sertões vivemos, gostando ou não. Nósdestinos ou nordestinos. Cada qual se janguça a si próprio, se aguça no sentir que chuvisco desiste de precipício no parapeito de nuvem. Se chuva fosse merecimento, não havia reza. Mas às vezes chuva nos falta dentro dos olhos, e sertão dentro de nós. Espero a aridez passar, refazer as cicatrizes, o desgoverno. Ontem, disseram que somente os camelôs da Fifa podem vender-se. Já estou parafraseando outros parágrafos. Meu camelo vai seguir viagem de terra, não pelo deserto, mas por outros sertões. Não desisto de precipitar na frente do parapeito, porque o que me pára soumente eu.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Arvore-ser

A única certeza da vida é a morte. Para a morte, mais que porém, a única certeza é que foi vida, e vida foi amor, por mais embrião possa ter sido, amado foi. Por mais que flores secas, um dia a chuva lhe chuviscou. Por mais doutor, paciente sentiu dor. Das únicas certezas, e não são poucas, a morte sabe que uma vez deitado em leito sepulcro, por mais terríveis que tenham sido nossos pecados, ainda podemos arvorecer, ou ainda árvore-ser.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Em sucata

Desfez-se em sucata. Só não entendeu porque ela não conseguira a vida prometida em adesivos dos automóveis.

Mãe da eternidade

Poucos sabem, construí esta casa do jeito que você me pediu. Fui eu que, como se tivesse uma ninhada para alimentar com sobras, busquei cada telha, cada janela, porque era nosso ninho, era lá que queria encasalar-me, sem alarde, sem alarme. Mas tal qual outras tantas histórias, fiz-me mulher pré-viúva. Como o negro que visto todas manhãs e amanhãs, concentrei em mim todas as cores, pandora, quase uma nuvem cinzenta, que só se consome através do choro. É o que faço aqui a sua espera, não sei nem porquê, mas me sinto a mãe da eternidade.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Andorilha

Já nem sei em quantas músicas te cantei, em quantas línguas te cantei, em quantas vozes te cantei, em quantos palcos te cantei, só sei que cantei, como andorinha, andarilha, que reverbera cantos dos quatros cantos do mundo, e só, só pode sentir-se o canto ressecar-lhe o coração, e os galhos passageiros em sua vida.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Romper el huevo

Vou a dizer-lhe minha história, ou melhor, escribirle mi autobriografia antes del huevo romper, el huevo altidoor, antidolor. Não escrevo poemas, eles a mi se escriben. Como se duas lenguas se encontrassem en una língua, naci en Avellaneda o en São Paulo, ando para acalmar mi alma, ou minh'alma como le gustan los teatrológicos. Não me lembro del rompimiento del ovo, ouvi mundo en costela de papa, sí, porque nasci da costela, assim creo mejor a mi y a los otros ou vós-outros, vós que sois outros. Andarilho que se habla, andorinha que se sente. Somente, solamente semente: ahora sou huevo estilhaçado, daqueles que poderiam ser pardais, coleiros, palomas. Pero apenas soy, cacos, no máximo cactos.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Esfingida

Cansada de não ter reconhecida sua importância filhosófica e academicatequista, enterrou-se numa esfinge para ser reencontrada como a única faraônica rainha do Egito brasilianista. Seus tesouros também sentiram o prazer de ser raízes, papéis de suas 96 teses. Não queria passar para a historioagrafia como alguém com menos produtiva do que Martinho Lutero. Como uma cidade maia, foi desistida pelos locais, virou mata, sem Atlântico.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Tetas inférteis


Seu menino moço, não é porque não fui excomungado da escola que não conheci um mestre, destes que se escreve de letra maiúsculinas, Mestre Arcanjo. Capoeira, seus pés bailarinavam com a poeira esfumaçada de seus golpes. Cabeça de matuto entra fácil o que não é astuto, dizia-se na roça. Eu em minha piquiniquinês sonhambulava ter esses títulos. Formo-usura que hoje credito sem sair de casa, me corcundaria. Era desmaiado para mim: ter doutor ligado ao meu nome tanto quanto os cabritos nas tetas secas de suas mães desse sertãozinho. Entendi sem ser explicado, cabritinho do sertão não consegue leite para alimentar para além da sede. O único grau que acho importante nessas terras é o do Sol, cheio de graduações seca o gado e os sertanejos, desses como eu, mama em tetas inférteis. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Vento de chuva

Este ano esqueci dos pedidos. A chuva me cegou, ou talvez melhor dizer, a chuva me chegou. Dos pedaços de papéis que enjaulava minhas promessas de um novo mundo e de mais tudo aquilo que se deixa para pedir para o nascer de um novo fim de ano, evadiu-se toda a tinta, quase sanguínea, manchando quaisquer poças de água pudesse tocar. O papelete, corpo desanguíneo, também foi-se, flutuando por mares nunca dantes navegáveis. Restei-me a olhar os pingos, tristonhos de não poderem mais apagar luz, porque não de chama se faz. Assim foi o fim, o apagar das luzes: fiz-me vento de chuva, valseando entre cimentos e sentimentos.