quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Subviver

Pra onde queu vou? Essa pergunta não parava de pipocar em minha cabeça. Quando perguntei ao senhor que veio me despir de minha morada qual teria sido meu pecado, apenas disse que são coisas do mercado. Que mercado perguntei, Mercado imobiliário, respondeu. Imóvel eu que fiquei. As pessoas sempre arrumam desculpas para suas próprias ganâncias, culpabiliza algo invisível, que nunca existiu, a não ser na mente infértil e estéril de economistas, verdadeiros advogados de impecáveis avarentos. A vida anda muito difícil minha senhora, aprumou-se o senhor, não há espaço mais para ninguém. Seria verdade se fossemos olhar para aquilo que tinha sido meu último abrigo: empuleiravam-se tantos que não dava mais para sobreviver, lá era subviver. Engraçado, espaço há. Vejo tantos lugares abandonados, ventre a chamar filhos imaturos que nunca chegam, infelizes são, toda morada precisa de família para se tornar morada. Vovó não tinha essa preocupação, botava ninho em cada árvore centenária, cintura larga, galhos fortes. Agora vem o desmatamento, florestas não mais existem. Sobrados, são as superlotadas árvores de enfeite, entre o asfalto das cidades. Alguns amigos se arriscam em árvores de natal, não tenho coragem de viver em lugar contado para desmoronar. Meus filhos merecem algo melhor. Pra onde queu vôo? Pus a me perguntar. Resolvida, mãe-solteira, decidi ocupar os espaços que os sem-asas nos roubaram. Resolvida, apenas com meus bicos subi muros entre fios, e lá deixei meus três filhotes. Já não tenho mais vontade de voar, me encerro aqui, quem sabe Deus não se arrependa de ter criado Adão e Eva, e sorrateiramente, ter lhes dado o fruto proibido, e coloque uma mãe mais carinhosa para cuidar de meus passarinhos. Que a alma  tenha piedade de três pequenos pássaros, que culpa nenhuma tem com o que o homem faz. Eu, mãe-solteira, tive forças até os ovos de mim partirem, agora eu deixo o mundo um pouco menos povoado, assim quem sabe algum de meus filhos possam tentar aqui subviver.

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