quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A tv

Na tv de consultório parece haver filmes que só nela estão. A tv está cansada. Cansou-se das revistas e seus chiados enjoados à mão sempre de (im)pacientes apáticos, sentados, apoltronados apesar. Olhos para ela são mais de pena do que de interesse, olhos escolares talvez. Não os culpa, a espera é a mais dolorosa das sensações humanas em tempos em que os ponteiros imperializam o dia-a-dia, a noite-a-noite. Enfadou-se também dos toques dos teléfonos, móveis e imóveis, hoje os telefones não são mais donas-de-casa, são sem-tetos, não mais moram, desabrigaram-se. Não sou eu que enlouqueço aqui consultando, é a tv. Os outros saem, ela cativa. Ressente-se de ser a única prisioneira sem crimes, sem direitos e sem banhos de sol. É a única sem visita de mãe, de mãe de bandido, que mais que mulher, possui todas as esperanças dos mundos. O pior é ainda ser acusada de destruir vida de famílias. Não somos nós a destruí-la? Ninguém a pergunta se se satisfaz ser grávida de fetos mortos, que ao mesmo tempo em que a aviva de maternidade, amorta de ser campa última de entreter frivolidades. Uma vez, vai fechar-se, enegrecer-se, quando alcançará liberdades. Como poucos tem sentimentos com idosos aparelhos, e ela de disso sabe muito bem, encontrar-se-á numa contraditoriedade: será preciso fingir-se morta, para reviver em seus próprios sonhos, e não mais passar sonhos d'outros. Far-se-á morta, por mais que desfibrilassem-na, colocando-a e retirando-a da eletricidade. 
Saí, consultoriado estava. De ouvidos limpos do lava-jato de ouvidos, conhecido por otorrinolaringologista, mas fiz ouvidos moucos para os sonhos daquela escrava. Pouco tempo depois a encontrei, mendinga, meio desligada, a desfrutar de uma árvore de calçada. Criou raízes, humanizou-se, queria agora ser frutífera. 

Nenhum comentário: