quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Flores sem floresta

Certas vezes, escuto como se estivesse encavernado, que eu não trabalho. Vivo do lixo, por isso, para todos, eu me transformei em lixo, assim como um médico se transforma na salvação, um engenheiro numa construção, um professor num senhor. Por incrível que possa parecer, prefiro ser lixo do que não ser. Não é que eu goste de buscar algo que valha em um amontoado de nada, mas por que toda a vez que minha mão afunda tenho a esperança de encontrar algo que valha. Em outros lugares sei que nem se eu mergulhar nada irei eu encontrar. Sou lixo, porque sei que dentro de mim, posso reciclar-me. Assim a estrada me caminha. Uma noite, estava eu a dormir em uma cobertura de loja, o frio me queimava e me cobri até os globos e mundos oculares, quando vi um caminhante de mala cheia a minha frente. Como ele parecia-me, como ele era eu e eu ele. O susto fez assaltarem-me os olhos. Morri nesta noite, não foi assassinato como o de Galdino ou de espancamento como o da empregada doméstica sem-nome dos jornais. Morri porque descobri que eu não era um indivíduo; que eu não prestava para ninguém, os rostos já me diziam. Descobri que eu era, na verdade, uma montanha de papelão, e que isso não significava nada depois de utilizado, a não ser para pequeníssimos insetos, que resistem em viver neste mundo. Descobri, por fim, que eu era parte da paisagem, como são as flores sem floresta a se angustiarem nas janelas de apartamentos.

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