quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Dois pardais

Aconteceu há uns dois anos atrás. Estava eu aqui sentado, vendo as veleidades televisivas. Não achava algo para me ver. Sempre existiram 28 canais neste aparelho. A globo era a número um, o SBT o dois, a Record a três, a Rede Tv a quatro, a Band a cinco e assim sucessivamente como os jornais dizem que é para ser, em ordem de desimportância. Obedeço mais por acomodação do que por consciência. Não é que neste dia mesmo, de repente, durante meu movimento rotatório do controle remoto apareceu-se (porque foi sozinho, poderíamos colocar o pronome reflexivo, dizem os gramáticos) o canal 29. Pára-raios em dias de sol, a parabólica renasceu. Acho que foi o sentimento de remorso. Explico. Não fazia muito tempo, um casal de pardais fez sua casa bem no centro da parábola, ali se amaram durante algumas noites. Os dias serviam para voarem livres como a naturaleza – esta é a palavra mais bela do espanhol, dentre as muitas, assimila natureza com realeza – lhes disse que era para se fazer. Pois não foi num dia de trovoadas que um raio fez cair na rede do guarda-chuva ao revés os dois pássaros. A fêmea estava grávida, fui saber no outro dia ao amanhecer. A partir deste dia, parece, não comprovo por ciência mas por consciência, que o receptor de ondas transmutou-se em ser vivo. Vivacidade fê-lo raízes, fê-lo caule, fê-lo galhos, fê-lo esverdejar. Neste sentimento de ser-pensante porque sente, neste sentimento de mãe que se refaz da perda de um filho, redobrou as forças e criou. Do ventre elétro-magnético emergiu seu filho, o nome dado como canal 29. Foram muitos meses, anos, sem nada transmitir, como se aquele negro representasse seu sentimento de tristeza, de retiro. Quedei-me todas as noites à espera de algo que ser-me-ia dito. Então ontem, quando trovejava, sintonizei o canal 29, e uma imagem de dois pardais que voavam num céu límpido me atravessou a retina. Foram segundos até que a televisão se nubladejasse, parece que foi o fim de uma felina.
- Não se preocupe senhor. Com certeza foram os raios que deram uma sobrecarga no seu aparelho de televisão. Se não atingiu os outros componentes eletrônicos centrais, rapidamente to devolverei. O técnico me disse.
Não costumo acreditar nos técnicos em eletrônica, falta-lhes humanidade. Não me preocupo mais com o que perdi, aprendi, sim, a respeitar a humanidade daquele ser-vivo.

2 comentários:

Unknown disse...

muito bom, meu cora!

Unknown disse...

Pelo pouco que li, já percebi q farei outras visitas. Muito bom!
Inté a próxima.