segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A nova lenda de Sísifo

Resolvi parar. Queria somente sentar à beira da estrada e olhar. Não precisava ser o mar, nem ser noite. Sentei e fiquei ali a contemplar as casas que subiam o morro. Nem pareciam cansadas na sua longa história de Sísifo, condenados não por deuses, mas por homens a escorregar e suspender-se rotineiramente. Aplacou-se ao meu lado um senhor idoso, seus 70 anos, como me diria depois, não o deixavam caminhar mais que alguns poucos quilômetros. Disse-me, andava pelo mundo no seu tempo maduro, antes de apodrecer e cair do pé. Ficamos os dois ali, naquele acostamento a conversar sobre os tempos. Não vira a guerra, nem a queda do muro de Berlim, muito menos as copas do mundo. Disse-me, o pessoal gosta de inventar coisas que não passam por aqui. Seu tempo era sazonal, quando não plantava para colher, colhia para plantar. Fora sinhô Bastião, o dono da terra lá em Leopoldina, que ficava com a maior parte da colheita. E foi assim contando pedaços de sua história que a conversa correu. Eu não poderia jamais interrompê-lo, depois da conversa eu fui pensar, porque não tinha nada de interessante para lhe contar. Eu sim, tinha visto a guerra, não que a presenciei, mas li nos livros, tinha visto o muro de Berlim, em várias reportagens-retrospectivas que a Globo passa com o apresentador do ilustre Big Brother comemorando as machadadas em um concreto sujo, que separava o nada do lugar nenhum; tinha visto, isto sim, aos olhos vivos, mas com os olhos mecânicos das filmadoras, os aviões das torres gêmeas. O onze de setembro de dois mil e um servirá para me lembrar que ia atrasado para o inglês. Àquele instante nada disso ganhava relevo, mas a história daquele senhor, que de Leopoldina fora para Juiz de Fora tentar a vida, já que a roça não dava mais suprimento para sua vida. Passou a morar em uma casa sem embolso, com janelas doadas por um rapaz que estava em reforma na sua casa. Trabalhava de trabalho-que-aparecia, mas ajudou muita casa a se erguer, como fosse um pintor segurando sua tinta com o braço esquerdo e o pincel com o direito. Aposentara-se ao mesmo tempo em que perdera seu dinheiro guardado na Caixa Econômica Federal, na época do Caça aos Marajás, de roteiro da classe dominante e filmagem de Fernando Collor de Melo. Bom filme apenas às caças. Já se tinha deixado ventar para Volta Redonda, a cidade do [palha]Aço. Iria com o dinheiro comprar finalmente uma casa, que nunca teve, mas o dinheiro que lhe fora roubado só estava vindo agora em suaves prestações. Decidiu então não morar. Passou a andar, andarilho de cidade em cidade, atrás de algum trabalho que restava. Disse-me, conseguiu às duras penas, viver e sobreviver juntando os cacos de serviço que lhe aparecia. Estava de volta. Disse-me, agora estava indo a algum lugar para que pudessem descansá-lo, estava pronto para cair do pé e servir-se à terra. Apresentamo-nos ao final da conversa. Ele pegou suas coisas e voltou a colocar os pés no acostamento para que um após o outro fosse desaparecendo de minha vista. Eu fiquei mais ali algumas horas imaginando sua vida. Levantei-me, as pernas formigavam-me e andei.

Um comentário:

Unknown disse...

Como sempre, lindo esse seu escrito, meu amor!
E "...que separava o nada do lugar nenhum..." Foi ótimo!
Beijinhos...