quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O menino-deus

Foi exatamente no momento em que o estampido da arma ressoou sobre os tímpanos da cidade. Como se houvesse outra realidade, vários escritos, conhecidos popularmente como pichações, se derretiam e se fundiam em novos desenhos. Não mais assinaturas ilegíveis, mas frases em corrente português. Não se sabe se foi uma reação de várias carcaças e prédios mortos, cansados de serem indecifráveis, ou se também era obra do menino-deus que atirara em sua professora. Acreditou-se que ele havia se revelado para promover  novos sacrifícios humanos, como antes feitos no México-Tenochtitlán em templos-pirâmides, mas agora revivendo-os em templos sagrados do conhecimento racional, a escola moderna. Diferente, porém dos sacerdotes astecas, o menino-deus não acreditava que com a morte de sua professora estaria adquirindo os seus poderes mágicos de fazedora de letras, e muito menos que estaria ajudando sua comunidade com benfeitorias. O menino-deus não se importava com a vida de nenhum ser humano, foi treinado entre os melhores religiosos católicos, protestantes, muçulmanos e judeus na arte de não compreender o outro. Mas desta história sabemos pouco, resta-nos pensar o que diz a cidade; como ela não é democrática, e suas frases saem como mantras, não tenho como discordar que sonhos não passam de sonhos. Mas algo me diz que é ainda possível acreditar que Ícaro fez certo em construir asas para voar, mesmo que elas fossem feitas de cera.

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