segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Menino dos olhos infinitos

Era dia do resultado do jogo-do-bicho e tinha minha mãe apostado no lobo, nem sabia que existia lobo neste cassino animal. Ela ganhou seus cem reais, foi dia de festa na minha casa, teríamos direito a sonhar com um almoço mais luxuoso, mais do que nos dias de festas de papai Noel, quando ele nasceu na manjedoura para a partir daquele momento distribuir roupas usadas, feijão e outros alimentos às famílias da minha rua. Não calendarizava nenhuma festa especial, se não fosse dia de Oxum. Dizia minha avó que logo que todos os Orixás chegaram a terra, organizavam reuniões das quais mulheres não podiam participar. Oxum, revoltada por não poder participar das reuniões e das deliberações, resolveu mostrar seu poder e sua importância tornando estéreis todas as mulheres, secando as fontes, tornando assim a terra improdutiva. Foi porque talvez minha família não tivesse feito bori devido a Oxum e agradecido aquele dinheiro que sucedeu o acontecido. À noite, dois homens entraram em meu lar e roubaram a alma de minha mãe, levaram o dinheiro e me deixaram com os olhos infinitos. A partir desse dia, tudo ocorreu como se a realidade se vertesse em lenda, e hoje não distingo o que aconteceu do que eu sonhei. Apesar de tudo, fui nascido outra vez no acariciar e no sorrizar de uma outra mãe, se não me amamentou me deu novos olhos, como a cada palavra lagrimasse minha retina, inundando aquele deserto estéril que fora atracar meu barquinho. Sem falar de novos corações que vieram a ritmar com o meu, o de minha irmã e de meu irmão mais novos. Certa vez uma senhora tentou me jogar ao infinito outra vez, na imensidão solar das areais, ao narrar a história dos meus olhos, mas logo o barulho de minha mãe sorrindo me fez despertar e fazer daquela velha piada de picadeiro. Sigo esta vida agora, a pedir que minha mãe antes de dormir venha me acariciar com seu riso.

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