quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Até Deus queria esquecer-se daquele lugar

Dona Nininha tinha mais a reclamar da falência da Igreja do que, propriamente, da falência múltipla dos órgãos que acometeu seu falecido marido. Como todos os mortos que nunca deixam de estar presentes, a Igreja estava lá para quem passasse sinal da cruz fizesse, não em respeito, mas como assombração. Repetia-se, como ainda agora, que aquele terreno não era fértil nem para tubérculos, esta última palavra Dona Nininha não pronunciou, somente teria dito "nem pra batata essa terra serve", mas como estamos lidando com leitores dos mais graduados que se tem notícia, apesar de em nenhum país do mundo ouvir-se falar em universidade brasileira que preste mais do que poste sem luz, vale a substituição das suas palavras, uma vez que causaria espanto dos mais engravatados aos mais socialistas-leninistas que estivessem a tatear conversa com ela, os erros de português poderiam formar uma outra língua, que obviamente não reconhecida por tão distintos senhores das letras. De volta à narrativa, se é que assim a podemos chamar, Dona Nininha sabia mais do que ninguém, nesse caso saber mais do que ninguém é o mesmo que saber o que todos já sabiam, que aquele terreno, aquele pequeno terrário, havia sido um bar, coisa mundana, este adjetivo peculiarmente cravado para hierarquizar pessoas e lugares não frequentados pelos não-mundanos de sua religião. Sua experiência na sétima arte de berita, dizia que espíritos de outros mundos, mundanos ou não-mundanos, visitavam homens que naquele bar bebericavam, transmutando-os em boçais, dizendo línguas de não se sabe onde, atacando mulheres e filhos. Sabia desde por sua bisavó, que não era bom sinal casar com sinuqueiro. Mas resignava-se aos tapas que lhe estalavam o rosto, quando criança, adolescente e esposa. O som das chibatas é que amedrontavam escravos, afirmava sua avó: nunca mais esqueceu do som de uma tapada. Não foram poucos moisés que tentaram separar aquele mar vermelho, vermelho sangue que havia queimado naquelas terras, ou daquelas terras nascidas. Por fim, Doninha, apelido que recebera pela junção de duas palavras, estava certa, até Deus queria esquecer-se daquele lugar. 

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