terça-feira, 25 de novembro de 2008

De saída

Vinte milhões de dólares. Graças a deus que o Banco Central americano depositou este volume na conta do Citi Bank. Não agüento mais esta crise, essa situação estressante de ter que todo dia acordar sem saber se vou ter meu dinheiro assegurado. Bons tempos eram aqueles, de calmaria, aquele ar-areia no meu rosto, meu dinheiro se multiplicando a empréstimos. Hoje ninguém mais quer empréstimo? Eu empresto, sou um filantropo. Já é meio-dia, preciso buscar meus filhos na escola. Neste colarinho e gravata apertados no ar condicionado, deveríamos condicionar tudo nesta vida, afinal somos quem faz esse país girar e girar e girar. Somos a gravidade, quase. Deuses a tapear a terra, não deixando nunca desacelerar o movimento, somos sim. Preciso me apressar, Isabel sempre reclama dos meus atrasos, não por maldade faço, não acredito que tenho um coração mau. São os problemas de cada dia, esse recesso seco. Vladimir, meu querido, vou buscar meus filhos na escola, faça-me um favor, diga ao motorista para abrir a porta do carro, obrigado meu querido, você é o meu funcionário favorito, eficiência e obediência. Penso aqui: não posso sair desta maravilha de temperatura amena e esperar que o motorista abra a porta do meu carro, nesse tempo, inundarei meu corpo todo à espera das águas transbordantes, o calor da luz faz minha pele ressecar. Não acredito. Esta esfarrapada outra vez aqui na frente do banco! Não tem trabalho neste país não? Vai trabalhar ao invés de pedir esmola! Isso que é vida ganha, aí sentada só pedindo moedas. Aposto que ganha milhões todos os dias. Não, exagero. Ah! Quem se importa, sou eu que vou dar valor a uma pessoa que não ganha a vida honestamente? Eu que dei duro na vida, a cada um milhão de dólares emprestava a juros sempre honestos, pequeníssimos, não sou um agiota regularizado pelo Estado, como me disse meu irmão. Sou um servidor público. Se não fosse eu, onde iriam as pessoas guardarem seu dinheiro? É claro, cofre não trabalha de graça. Eu preciso dar leite às crianças, playstation 3 também, tv de plasma... conforto é o que vale na vida. Entretanto, esta velha aí safada, por que não procura um emprego? Sei lá, quem sabe engraxar meus pés, eu lhe daria umas duas moedas, dois centavos é muito hoje em dia. De grão em grão o papa se enche de galinhas, já dizia um romancista. Vou fazer uma proposta para o governo, quem sabe montar um albergue para toda essa gente... assistencialismo é marketing. Sairei na frente dos meus colegas agiotas, quero dizer, empresários, ao invés de mostrar um monte de árvores na propaganda da televisão, dizendo que somos um banco que apóia a sustentabilidade ecológica, vou lançar uma campanha reforçando que minha grande empresa suporta não apenas a sustentabilidade ecológica, mas também a social. Se eu gasto pouco dinheiro plantando tiririca no pasto lá da minha fazenda, posso gastar mais alguns vinténs pra comprar um pouco de pão para esse povo pobre. Não é à toa que somos o maior banco deste país, só nos últimos anos lucramos acima do esperado. O marketing é tudo. Contudo, ou connada, para não manchar a vitrine da minha empresa de fedor, vou mandar o segurança dar uma sumida com essa mulher. Não posso ficar toda a vez que entro no meu carro, no meu ar condicionado, vendo esta cena entristecedora. Talvez não, melhor deixá-la aí, pelo menos ela impede que outros venham me pedir dinheiro. Não entendo o porquê de tanta vagabundagem. Vou fechar meu vidro, assim escapo desse mundo.

Um comentário:

Unknown disse...

A realidade deste mundo incomoda a classe média!!!!!