domingo, 23 de novembro de 2008

Meu cemitério de abelhas

Cultivo meu próprio cemitério de abelhas, cativo-o, regando-o todos os dias. Não é árdua a tarefa de me explicar, de me explicitar, de me fazer ouvidos. São as abelhas sem-teto que invadiram o orifício do poste luminoso à frente de minha janela, de minha recepção solar. Famintas, imagino os losangos de seus olhos cinza de sede. A falta de vida faz das abelhas tal qual miseráveis, mendingas de pólen. Batem no meu vidro, posso escutá-las a pedir um pouco de comida, água, verde, flor. Retruco-as, infelicitando-as com a notícia de cá do outro lado do grande muro que é o vidro de minha janela não verdeja, não há frutos, não há vida. Mesmo assim, desesperadas, transmutam minhas palavras em esperanças de louco, e insistem em entrar, em invadir meu sacro-santo lar, minha propriedade que a constituição, o livro sagrado dos gigantes, afirma ser inviolável. Não posso, contudo, com tão vermelhidão olhar, com tão sedento salivar; suas gargantas, imagino inflamadas pelo repetir da reprodução interna de água, um rio de células que surfam da língua ao estômago, e uma vez lá, voltam à boca no circular movimento das chuvas de saliva, goteiras no nublado céu-da-boca. Seu zumbido organiza e informa que do outro lado do muro existe um paraíso, onde irão todas as abelhas desfrutar de todo a fosforescência dos gira-sóis, da igualdade no jardins do Éden que lhe contavam as suas avós-abelhas, sonhos de outrora revivendo em meu quarto. A abelha-rainha já não mais os conduz, abelhas-jacobinas tramam sua degola após atravessarem o grande muro, e isto é acalentado em toda reunião em frente às coméias. Observam elas, as jacobinas, os meus horários de abertura de janela, estudam elas, os dias mais propícios à invasão, sempre ao jantar comunitário de alguma perdida flor que nasce do asfalto duro, refeição como dúzia de pão fosse repartido por milhões. No dia previamente estabelecido, elas furam o bloqueio e adentram no tão resplandecente paraíso, não mais ligando para os momentos de fome que passaram no deserto de Moisés, como se Deus quisesse as castigar. Seus olhos brilham ao ver a fonte ininterrupta de alimento, uma cachoeira a jorrar felicidades, um tempo que fará do passado arqueologia, e do futuro uma eternidade, não precisarão de relógios, todas as horas serão de fartura. Seus motores aceleram em máxima rotação, seus volantes firmes em direção à fonte, ziguezagueando de minhas mãos repressoras, policiais disfarçados que rondam o oásis dos prazeres sem-fim. As poucas, jacobinas, que lá chegam encontram a luminosidade tão forte, tão firme, tão atraente que não param um minuto de bombardear de sangue seus cérebros, zubizando até ficarem roucas. Ao fim de tanta jornada, famintas, não podem esperar mais, suas capacidades mentais não são as mesmas de poucos instantes atrás. Rodando ao redor da fonte se desesperam, porém, ao notar a fria realidade que lhes aparecem aos olhos, ao bater as patas na lâmpada notam a superfície lisa, escorregadia, não provedora de qualquer substância que as faz alimentar, revivar sonhos. A morte vai se apossando de seus pequinitos corpos. Numa atitude digna, apontam seus ferrões à suas cabeças e lançam mililitros de veneno em suas mentes. Jazem no suporte da lâmpada e ali é que, a cada dia mais e mais, pais-de-famílias abelhas à busca de sustento para suas insignes brancas-larvas deitam-se em seu último leito, seus corpos sem coveiro que lhes rege as plantas da sepultura, sem parente para chorar no dia de findados. Da minha cama observo o desespero desta raça, seus corpos a formarem uma lua esburacada parecida com a que vejo da janela, o grande muro. Pobres criaturas. Graças a Deus minha raça, a humana, nunca passou por isso.

Um comentário:

Unknown disse...

Coração andou se inspirando nas abelhas q entram em seu quarto? É bem provavel q sim!
Vc escreve muito bem cora!
Beijinhos...