terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Diário de um pombo

Desencontro-me hoje. Escrevo neste diário para acalmar o repúdio que vem de minhas entranhas. Fui hoje ao laboratório receber o exame que tinha feito há dez dias. Dez dias esperando o resultado, foram dias sem sono, noite sem sonho. Tive que recorrer aos remédios antidepressivos que guardo sempre comigo, essa vida estressante, não saber o dia de amanhã me causa náuseas. Se ao menos pudesse voltar à terra que me viu nascer. Negativo deu, não desenvolvi criptococose, muito menos histoplasmose, ornitose, salmonelose. Tudo culpa daqueles seres a me desviar, a me esquivar como se eu fosse lhes transmitir alguma doença. Os pombos não são limpos, pensavam, mas como me higienizar numa cidade tão suja, sou parte da paisagem, vejam que minhas penas tomaram cor-de-cidade. Viver num campo de deslocados não é nada fácil, procurar comida em arestas de concreto não é tarefa simples. Sobrevivo de esmolas que de vez enquanto jogam vocês ao vento, talvez para me manter nesta condição de sonambulismo, a água que jorra no último instante que a última gota se evapora. Acredito que é cômodo viver de glórias a contar, sou muito caridoso, vou ao parque todos os dias alimentar aquelas frágeis aves, mas não são vocês a todo dia ter que arrumar um canto escuro nesta terra de luz infindável, não são vocês que desgastam seus bicos a procurar minhocas em cimento. Sempre me ensinaram a ter amor ao próximo, como diz minha querida mãezinha-pomba que morreu de doença de gente, contudo, tudo isso me enoja, toda essa mentira de árvores e flores cercadas, um museu de espécies que um dia flordejaram aqui. Com meus exames agora sei que quem sofre de doença são vocês, a espécie que quis dominar a natureza. Não sou médico, mas logo se vê que vocês sofrem de megalomania.

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