sábado, 27 de dezembro de 2008

Lembranças natalinas

Eu lembro, eu tinha sete anos quando parei de acreditar em papai-noel. Cintilavam as luzes das lojas, o frescor natalino do sem-espaço dominava as lojas da cidade, enquanto eu via na televisão a possibilidade de me comunicar com o divino velhinho dos presentes. Num dia, um dos programas de domingo realizava suas entregas de pão aos necessitados, sempre deixando claro a padaria de onde a farinha se multiplicara em alimento sagrado, sempre deixando claro que a padaria de onde viera aqueles pães tinha o segredo milenar dos portugueses de além e aquém Tejo, deixando claro que a padaria a qual produzira aquela pele clara dos pães brancos, que nem as lindas européias que buscam trigo na plantação, vendia o pão mais barato de toda a cidade; foi neste dia que tive uma idéia mais do que iluminada pela lâmpada que simboliza uma criação nos desenhos animados do horário matutino, uma revolução concebeu-se na minha cabeça, como se Deus tivesse desposado meu cérebro como desposou a virgem Maria; eu tinha que escrever para aqueles bem-feitores, para aqueles amantes do bem-fazer, para aqueles protetores dos necessitados, para aquelas abelhas da paz, do amor, para aqueles cortadores dos pecados do mundo, para me enviar o presente que tanto queria. O presente não me lembro mais. Talvez tenha sido um carro, miniatura dos Volkswagen, com banco de couro, suspensão auto-reguladora, motor a gasolina. Talvez tenha sido uma miniatura de um super-herói, com superpoderes. Talvez tenha sido um jogo bancário, que eu poderia sorrir ao acumular a maior montanha de capitais, vendo meus concorrentes falirem. Talvez tenha sido um revólver. Agora me lembro, fora um revólver ou uma metraladora daquelas bem barulhentas que eu gostaria de ganhar do papai-noel. Mas minha cartinha não chegou ao pólo norte, civilizado, branco que nem a neve que cobre a casa de papai-noel, mesmo local onde nascera Jesus. Não sabia o endereço, por isso coloquei apenas: país Europa, remetente Papai Noel ou Jesus Cristo. Foi um ano depois desta emissão que deixei de acreditar em papai-noel. Tive que roubar uma bolsa de uma senhora para ter o que comprar, no natal daquele que era o seguinte ano da carta, para minha irmã. Ela queria uma barbie. Não foi tão fácil como vocês podem pensar. Foram os mais longos dias da minha vida aqueles em que decidi roubar. A dificuldade vinha não de conseguir os instrumentos para isso, coisa mole. Vinha do meu peito, do arrepio que sentia toda a vez que pensava no ato de poder fazer mal a alguém. Não tirando um objeto, mas machucando qualquer pessoa que seja. Não gosto de crueldade, recriminava meus primos que batiam em cachorros e gatos, e eu mesmo cuidava de alguns sem-tetos caninos na rua onde morava. Só foi quando apanhei da polícia que decidi começar a furtar bolsas. Pensava que iria ser algo temporário, só para um objetivo específico. Mas depois veio todo o glamour e eu me deixei levar. O dinheiro tem dessas coisas, não é à toa que vira e mexe tem gente doida na tevê. Nem sei porquê eu estou tendo essas lembranças. Talvez porque seja hoje dia 26, o dia de greve da bondade humana. Não me sinto bem aqui tirando foto nesta delegacia. Espero para ser desumanizado. O zoológico terá mais um animal hoje.

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