sábado, 27 de dezembro de 2008

Margens

Nasci para saciar a fome dos meus irmãos. Mas têm vezes creio que eu nasci pra fazer outro de mim empanzinado. Costumo acreditar que tive um irmão gêmeo que tomou outro rumo no mundo, talvez tenha recebido mãos carinhosas ao invés de pesadas, tenha recebido ouvidos ao invés de gritos, tenha recebido abraços ao invés de costas, tenha recebido atenção ao invés de desprezo. Diferente de mim, ele está na sexta série, aprendendo matemática e português e seu desejo seja ser um poeta. Não esses poetas que vivem a escrever sobre a boniteza de uma mulher pedestre, mas que saiba apontar as feridas feia das misérias (des)humanas. Amigos o cercam, não ávidos pelos seus eletrônicos ou por suas balas, mas por sua destreza, sua simpatia. Costumo imaginar minha outra margem como um menino bonito, com banho, piscina e café da manhã todos os dias. Até a sua avó gosta de contar-lhe histórias de sua infância perto da lareira. Se o mundo não conheceu, pelo menos o Brasil, que dizem que é a coisa mais bonita do mundo, assim já se conhece o principal. Seu cachorro vem lhe acordar todas as manhãs para ir à escola e médico será em breve, tive com um uma vez apenas, quando não mais agüentava de dor no estômago. Ele me ofereceu seu almoço. Curou-me. Por isso que gosto dos médicos. Esse meu irmão nunca soube o que é a tristeza verdadeira, nem mesmo a solidão cotidiana, a sensação de que esqueceram-se de você no mundo. Sua vida foi feita de riso e o que ele mais gosta de fazer é ler. Sabe decifrar as letras, sabe escrever, sabe tatear esta vida. Gostaria muito de poder encontrá-lo um dia para que ele me conte mais sobre sua história e que me responda porque estamos tão separados. Talvez eu lhe ensine malabares.

3 comentários:

Unknown disse...

Estive por aqui :)

Unknown disse...

fabinho engraçado, durante todo o texto imaginei o menino realmente dizendo isso, mas se parar pra analisar é dificil realmente acreditar que uma criança de rua poderia se expressar desta maneira, claro, com certeza pelo preconceito!

Fábio Carvalho disse...

Gostei muito da sua observação. É o que muitos autores chamam de que o texto não é verossímel, perto da realidade. Mas tem um quê. Eu nunca disse que era aquela criança que estava escrevendo isso. É a minha visão. Sou eu escrevendo. E obrigado por ter lido, fico muito feliz de ter passado por aqui e parado pra ler o que eu escrevo.