terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O homem, a guerra

Foi uma cachoeira de lágrimas que abruptamente desceu de meus olhos ao escutar a voz doce e trêmula do outro lado da linha, era minha irmã, estava sim viva. Nenhuma palavra para sinalizar a conexão foi preciso, alô, olá, quem fala?, sim, simplesmente a respiração dela me fez abrir as comportas de minha represa de emoções. Minha irmã e meus sobrinhos vivem hoje na Palestina, vim eu somente acá fugir do cotidiano assustador das Enola Gays que os aviões jorram. A qualquer um pode parecer contraditório que o piloto americano tenha dado o nome de sua mãe à maior arma de destruição de seres humanos que um (des)humano fez, mas a mim não me faz coçar os cabelos. O que quase ninguém sabe, é que ao tomar conhecimento das milhões de vítimas esmagadas nas cidades japonesas na Segunda Guerra Mundial pela Rosa de Hiroshima, Harry Truman entusiasticamente disse às pessoas a sua volta que era aquele o maior evento da história. Do outro lado do mundo, consigo ver o sorriso dos pilotos isralitas ao assassinar bebês-terroristas. Não por acaso as crianças são as mais alvejadas; em uma lenda criada entre os judeus, os bebês muçulmanos devem ser exterminados, pois são de raça inferior, por isso as chamam de terroristas, entendo a preocupação. Depois de perguntar como estava minha família, minha irmã me pôs em diálogo com meu afilhado, seu filho mais novo. Contou-me que foi visitar seu amigo de futebol, de pelada de rua como chamam aqui; cortaram-lhe os dois pés. Lembrou-me dos dribles que fazia, dos malabarismos que fazia, das risadas que fazia aos outros, das brincadeiras que fazia, e por último me contou como se fazia triste ao chão de um hospital. O silêncio que Elona deve ter provocado no Japão se impôs à linha telefônica. Minha garganta apertou-se, sufocando minhas cordas vocais, minhas pernas tremularam. Sem despedida realocou sua mãe à minha conferência. Disse-me que o seu filho mais velho tem dito a todos dentro de casa que irá se sacrificar à causa palestina, colocar sua alma para vingar as de seus amigos. Disse-me que não conseguia aplacar a idéia, porque ela mesma não sabe mais o que fazer. Disse, eu, que viesse para cá, mas sabia eu que mesmo se sua resposta fosse positiva, a possibilidade disso acontecer era mínimo. Poucos sabem que a decisão de partir não é fácil, a decisão de deixar seu povo, seus amigos, sua vida, de tornar-se sonâmbulo em campos de refugiados não é a mais simples das decisões. Repousei o fone no orelhão, desligando o som da minha morada há vários dias dali. Era horário de repouso. Voltei à máquina de impressão sem alma. Apenas uma frase da manchete do jornal me ligava ali: “Lições anticrise”. Amputar-me a alma seria esta uma das lições? Como duas imagens sobrepostas, essa frase me trazia novamente ao diálogo com a Palestina. A crise, a Palestina. A crise, a bomba. A crise, a morte. A crise, Elona Gay. A crise, o maior evento da história. A crise, a guerra. O homem, a guerra.

4 comentários:

Unknown disse...

A Cidade do Sol também é o titulo de um livro escrito pelo autor do Caçador de Pipas Khaled Hosseni, não que eu tenha lido! Outro dia estava na rodoviária de Petropolis que tinha uma bela livraria (pasme), como estava esperando um onibus, acabei matando um pouco o tempo la olhando os títulos, quando me lembrei do seu blog!

Fábio Carvalho disse...

Eu também já vi esse livro. Mas tem algumas diferenças. O livro se chama, como vc escreveu, "A cidade do Sol", o blog é "A cidade Sol". Na verdade, a idéia seria "La cité Soleil", que é um bairro, logradouro de Porto Príncipe, a capital do Haiti. Tem uma foto numa das primeiras postagens que eu fiz. A cidade Sol, o blog, é uma homenagem a este lugar, que poucas pessoas conhecem, inclusive eu. Outra diferença é que o autor é um exilado da afegão, com uma visão de mundo pró-americana. Não à toa era das famílias mais abastadas do Afeganistão. E eu sou um simples morador de Volta Redonda. E sempre serei.

Amanda Piassi disse...

Obrigada pela visita !
Achei seu blog muito interessante, você é muito atualizado e isso é uma das qualidades que mais adimiro em uma pessoa.Parabéns !

Unknown disse...

MEU CORA RECEBENDO ELOGIOS, QUE LINDO...