quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Prefiro deixarem me remar

Não sou homem de poucas ganâncias. Tenho-as todas, sem receio. Senhor diz, feliz é ter felicidade, família, amigos, pessoa com quem contar. Digo, teria se tivesse proveito monetário? Mas senhor insiste, me diga quem não se vende por vintém? Aposto por um tudo, que se dobrasse aqui centenas de qualquer coisa, coisa senhor não faria. Não lhe pagam todos os meses para fazer o que mandam? Não me venha com choramingos de que o que vale nessa vida é ter felicidade. Amanse seus dizeres, estamos todos em barco comum. O fato é que alguns remam, outros se deixam serem remados. Prefiro deixarem me remar. Desculpe a sinceridade e as metáforas gastas. O que me manda é o fim do mês. O que não quer dizer que eu seja uma má pessoa. Outra vez mesmo, veio um menino aqui na minha porta, um pretinho, pedindo dinheiro para comprar comida. Dei-lhe um prato de arroz e feijão. Eu dei comida, não dinheiro. Mais fácil é dar o peixe, mas prefiro dar a vara de pescar. Essa vadiagem de hoje em dia está me desgastando. Não lembro disso quando era criança, sempre todos em seus afazeres. Não desculpo o governo, mas existe trabalho para quem quer. Mas não, preferem vadiar. Muita violência também. Ontem, quinze de meus escravos, eu disse, quinze de meus escravos amarraram o Zé, lembra do zé? aquele portuguezinho que me recomendaste para governar minha fazenda, sujeito bom, tem boa mão com os moleques, pois, amarraram o zé lhe relharam amarrado numa árvore. O que você quer que faça? sai daqui do rio imediatamente pra vassouras, e conversa daqui conversa dali com meus negros, descobri. Não ia mandar para prisão todos, senão não tinha colheita. O delegado andou me importunando, dizendo que seria perigoso se não houvesse um castigo exemplar. Mandei o zé embora; como ele vai fazer pra botar esses caras pra trabalhar? não tem mais condições, vai ser riso na senzala por muito tempo. Deixei o promotor e o delegado investigarem, mas já dei meu jeito. Fiz tudo para eles, comida tem, roupa tem, domingo não trabalha, tem roça. Isso é ingratidão, pior é traição. Concordo com o senhor que o tráfico tem que acabar, é cancro da nossa sociedade. Com essa situação não tá dando mais. A época de meu pai tudo era mais feliz naquela vassouras. 

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